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Diário da Terceira Idade: conheça Atelio Kich, um verdadeiro contador de histórias de Nova Petrópolis
Nova Petrópolis – Atelio Kich, morador da localidade de São José do Caí, completará 84 anos no dia 4 de abril. É casado com Selmira Kich, também de 83 anos, com quem tem dois filhos, Remidio de 51, e Renice de 46 anos. Também tem duas netas e um neto. O casamento de Atelio e Selmira já dura 62 anos e, em breve, no dia 9 de julho, completará mais um ano de união. E este mais de meio século de matrimônio é apenas um das tantas histórias que o aposentado tem para contar, todas muito bem vivas na memória e cheias de detalhes.
Ele nasceu lá mesmo, em São José do Caí, bem próximo de onde vive hoje em dia. Como a maioria das pessoas naquela época, trabalhava na agricultura junto com sua família. Estudou até o quarto ano e depois parou porque, para prosseguir, teria que pagar para estudar no Colégio Frederico Michaelsen e seus pais não tinham condições. Já Selmira estudou somente até o segundo ano do fundamental e foi ensinada em alemão. Por conta disso, até hoje possui limitação na língua portuguesa e tem dificuldades com a alfabetização.
Aos 17 anos, os dois ainda adolescentes se conheceram em um baile na Fazenda Pirajá. O namoro durou cindo anos, até que se casaram em 1960.
Serviço militar
Quando tinha 19 anos, em 1957, Atelio serviu de janeiro a novembro no 19º Batalhão de Infantaria Motorizado de São Leopoldo. O tempo de quartel foi curto, mas muito importante para seu aprendizado. Além da disciplina militar, ele também retomou os estudos. “Nós tínhamos duas professoras, uma que ensinava aos analfabetos, e outra para os que tinham o diploma do quarto ano, como era meu caso. Isso foi muito importante para mim, pois me trouxe muito conhecimento e cultura”, conta. Outra lembrança dele dos tempos de quartel era a forma de comunicação, bem diferente da atual. “Nos comunicávamos por telefone de manivela e por teletipo. Hoje em dia ninguém mais sabe o que é teletipo”, relembra aos risos.
Esporte Clube São José
De volta à Nova Petrópolis, foi um dos fundadores do Esporte Clube São José, em 1958. Centroavante, ele garante que era bom jogador e marcador de gols. Jogou no clube até depois dos 30 anos sempre no “1º quadro”, como eram chamados os times principais. Já no 2º quadro, ele tornou-se árbitro e era o responsável por manter a ordem nos jogos de futebol. Chegaram a conquistar o título municipal em duas oportunidades.
Anos depois, o clube se uniu com o coral e formaram a Associação Cultural Esportiva Lira de São José do Caí, nome que mantém até hoje.
Construção da BR-116
Na mesma época que fundou o E. C. São José, ele começou a trabalhar na construção da BR-116, também em 1958. “Eu deixei o quartel e voltei pra casa. Meu pai disse que não estava em época de colheita, então não adiantava trabalhar na roça. Comecei a trabalhar na construção da BR-116 da entrada para o Ninho das Águias até São Marcos. A construção seguiu adiante, mas ele parou em 1961 e voltou a trabalhar no campo.
Getúlio Vargas
Em 1941, quando ele tinha apenas três anos, a maior enchente que o Rio Caí já teve, segundo ele, levou todas as madeiras que compunham a estrutura da ponte que estava sendo construída entre Nova Petrópolis e Caxias do Sul. O trabalho foi refeito e a ponte inaugurada em 1942 com a presença do presidente Getúlio Vargas. “Ele veio em um carro preto, de oficiais, por Caxias. Cortou a fita de inauguração do lado de lá, atravessou a ponte para o lado de cá, manobrou e foi embora”, conta ele sobre Vargas.
Segunda Guerra Mundial
Na época, o mundo estava em plena Segunda Guerra Mundial. Embora o conflito ocorresse em sua maior parte na Europa, ele garante que Nova Petrópolis estava se preparando para se defender. “Quando construíram a ponte, colocaram uma bomba dentro de um dos pilares e só uma pessoa sabia como ativá-la. Se os nazistas chegassem aqui, ele ativaria a bomba e derrubaria parte da ponte, impedindo a passagem”. A explosão nunca ocorreu e o homem que seria responsável por isso já é falecido. Mas Atelio garante: “a bomba da Segunda Guerra Mundial está lá até hoje”.
Vida de caminhoneiro
O trabalho na BR-116 lhe rendeu uma boa estabilidade financeira. Ele conta que o salário-mínimo era de 800 cruzeiros, mas ele ganhava cerca de 4.000. Com o dinheiro, comprou uma caminhonete para ajudar no trabalho agrícola. Cinco anos depois, em 1966, vendeu o carro e comprou um caminhão. Passou a trabalhar para uma transportadora de Caxias do Sul e viajar o país entregando carga. Permaneceu na profissão por 22 anos, até se aposentar em 1988. Neste período, conheceu a Bahia, Sergipe e Pernambuco no Nordeste, além do Centro-oeste e Sul do Brasil. “Porto Alegre eu conhecia como se fosse meu bolso. Eu saía de Nova Petrópolis às 4 horas porque tinham ruas na capital que eram muito estreitas e só podíamos passar de caminhão entre 5 e 7 horas”, relata.
Um dos motivos para deixar as estradas era o tempo que ficava longe de casa. “Minha esposa reclamava que não tínhamos comunicação e que se morresse alguém, não teria como me avisar. Então parei”. Mesmo longe da boleia, o gosto por viagens permaneceu, não só com ele mas também com Selmira. Visitaram Foz do Iguaçu duas vezes, conheceram praias e águas termais.
Rotina atual
Hoje em dia, o casal segue se dedicando à agricultura, principalmente ao cultivo de amendoim e fruta do conde. “Nós temos tudo o que precisamos. Trator, ferramentas, máquinas… então continuamos, a gente gosta e nos mantém ativos. Faz bem pra saúde”, afirma. Mas antes de ir para o campo, o dia começa com a leitura do jornal O Diário. As primeiras matérias que lê são as principais, ou seja, as que estão na capa. Selmira o acompanha, e como ela tem dificuldades com a leitura, ele lê para os dois. À tarde, quando já fez o que precisava, volta pra casa e completa a leitura de todo o jornal.