Diário da 3ª Idade: Rafael Gonzales, hábil na confecção de ponchos e mestre nas tortas

Por: Cândido Nascimento

Ivoti – Ele chama-se Rafael Amadeo Gonzales, nasceu em Buenos Aires, Argentina, e completa 80 anos no próximo mês. Há mais de 30 anos reside em Ivoti, lugar tranquilo e que oferece melhor qualidade de vida, segundo palavras suas. Com a chegada da pandemia, tudo começou a andar em um ritmo devagar, quase parando. O serviço diminuiu e os negócios também. Mas a busca pelo conhecimento é constante, e ensinar é algo feito com prazer de ajudar as pessoas a se aperfeiçoarem.
O pai, de origem espanhola, chamava-se Don José Ramon Gonzales e a mãe, de origem italiana, Maria Antônia Gatti de Gonzales. Como o pai faleceu antes de Rafael nascer, o menino foi criado pelos avós e por tios, e estudou em um colégio para padres beneditinos.
Originário de uma família de três irmãos, aprendeu com uma tia e com a avó os dons da culinária, aprimorados ao longo do tempo, através de diversos cursos, passando a ser chefe de cozinha, gerente e professor. A receita de alfajor, por exemplo, é tradicional da família, com recheio de doce de leite.
Depois veio a tecelagem que é a arte na qual faz ponchos muito bonitos e cachecóis e até quadros que podem tomar uma parede. A perfeição é uma conquista, ponto a ponto, alcançando um desenho e beleza inigualáveis.

Casamento e vida profissional no Brasil

Rafael Amadeo era suboficial do exército argentino e, aos 23 anos, fez uma viagem de férias ao Rio de Janeiro. Conheceu no avião uma prima daquela que seria sua esposa e mãe de um casal de filhos. “Eu tinha 23 anos, e conheci a prima da minha esposa, Isabel Reis, que é professora. Com ela tive o George Raphael e a Geórgia”, comenta. Após morar por seis anos no Rio de Janeiro ele foi para o Espírito Santo, onde trabalhou no ramo de hotelaria.

Hotelaria

Os avós eram do ramo de hospedaria, e coincidentemente, Rafael Amadeo trabalharia nesse setor, mais especificamente com hotéis. Ele trabalhou no hotel Porto do Sol, em Guarapari (dois anos), depois foi para Vitória do Espírito Santo, e trabalhou no Hotel Senac, na Ilha do Boi, que gerenciou, e ainda no Novo Hotel e no Jequitimar, no Guarujá, em São Paulo. Outro local foi o Hotel Aldeia do Sol, em Porto Seguro, Bahia.

Arte de cozinhar

No decorrer dos anos foram feitos diversos cursos de aperfeiçoamento, na área de congelamento de alimentos. Em 1982 realizou o curso de alimentos congelados para micro-ondas pela empresa Prosdócimo, consagrando-se em todo o país como o primeiro homem a fazer o curso. Os ensinamentos também foram sobre fazer receitas domésticas e industriais, além de queijos e panificação, confeitaria.
Um impulso na sua profissão foi dado pelo curso que realizou na Wilton, em julho de 2000, no estado de Nova Jérsei, Estados Unidos. Essa empresa fornece luvas e bicos utilizados no setor gastronômico com foco nas tortas e bolos.

Orientando a trabalhar com produtos congelados

Um detalhe interessante é que Rafael foi garoto-propaganda de embalagens para freezer do Grupo Bettanin. Fez vários cursos através da Prosdócimo, onde orientou centenas de pessoas sobre como fazer o congelamento correto de alimentos em geral, e trabalhou divulgando a Massas Paviolli.
Também trabalhou para as marcas Arroz Sepé, Perdigão Alimentos, Sadia, e fez vários cursos de atualização, aprendendo a fazer flores de gelatina e pasta de confeiteiro. Além do Rio Grande do Sul, Já ministrou cursos em Recife, Bahia, Ceará, Pará, Brasília, São Paulo e em Minas Gerais.
Ele foi entrevistado por Abigail Blattner (falecida em 2010) no Programa a Arte de Cozinhar, da TV2 Guaíba, e já apresentou o programa Papos & Pratos na Band há alguns anos. Outra curiosidade é que ele foi professor de José Antônio Pinheiro Machado, que apresenta o programa Anônymus Gourmet.

Aqui no sul

A vinda para o Rio Grande do Sul foi para dar um suporte para a empresa Grazziotin. Ali começou a dar aulas sobre a conservação e preparo de produtos congelados em Passo Fundo e deu cursos em 145 lojas, vindo a ensinar na filial de Novo Hamburgo também.
Ele tem 16 vídeos pela Massas Romena, que estão à disposição no Youtube. Ainda hoje presta serviços para a empresa que detém a marca, e participou de vários eventos da Associação Gaúcha de Supermercados (AGAS), onde prepara produtos para degustação. Em um desses eventos recebeu a visita do ex-governador Pedro Simon.

Quebrando tabus na cozinha dos gaúchos

Quebrar tabus na cozinha dos gaúchos também é uma especialidade de Gonzalez. Ele deu aulas para grupos de homens do Clube Náutico União, de Porto Alegre, e fazia bolos com valores bem significativos.
Dois belos trabalhos, com pessoas de renome na gastronomia, contam com a participação do chefe Gonzalez. Tem fotos e receitas no livro “Cook”, onde dá a receita de uma torta, e no livro “Homens na Cozinha”.
Ainda foi o primeiro professor a ministrar um curso específico para homens, em 1995, que se intitulava “Paletó e Gravata”, no Bourbon de Porto Alegre, onde administrava aulas de culinária por três dias consecutivos.

Sonho

Conforme ele, os bolos representam os sonhos das noivas. “Trata-se de uma expressão de conhecimento que completa o sonho, pois é um produto totalmente diferenciado a eventos diversos, e que todos procuram para o seu casamento ou festa”, destaca o empreendedor.

Na Apae

Há alguns anos, ministrou um curso para os alunos da APAE aprenderem a fazer biscoitos, mas também utilizava fantoches de mão para contar histórias.

“O maior dom é a sabedoria, que vem da minha cultura, do meu povo e da minha família”

Curso de Tecelagem na Casa do Artesão

O gosto pelas peças feitas no tear surgiu após uma visita que fez a Bolívia na década de 1960. Naquela época viu a rota do tear e ficou maravilhado. No Brasil, o profissional da área é tecelão ou tecedor, em espanhol é tejedor e no italiano tessitore.
Rafael já deu aulas na Casa do Artesão, onde aprendeu o ramo da tecelagem em 2017, com a professora Shirlei Machado. Hoje tem um aluno por vez, dando aulas na sua residência, no bairro Cidade Nova, e ensina as técnicas de tecelagem básica e profissional. Dá noções básicas para manipular o tear de mesa e de pé, conforme o produto, seja manta ou poncho.
O aluno aprende a tecer em poucos meses e já pode investir no tear, que custa em média R$ 600 (simples).

Para Israel

Nesta semana, Gonzalez está fazendo produtos encomendados por um cliente de Israel, no ponto piet de poulet (pé de galinha). Tem ainda encomendas para os países: Espanha, Inglaterra, Canadá, Chile e Peru.

Arte e convivência

“A culinária e a arte tem a ver com a cultura. O ensinamento é uma satisfação pessoal, quando você pode levar o conhecimento como um incentivo à pessoa abrir o seu próprio negócio. Entendo que os cursos profissionalizantes abrem caminhos para as pessoas, alguns se formaram professores, e seguiram o meu exemplo, ensinando outros, então é uma corrente de bem-estar social e cultural”, destaca o artesão.

Amor

Além da satisfação, o ensino é um ato de amor e de relacionamento social, nas palavras de Rafael Amadeo Gonzales. Segundo ele, se é falado sobre vida e relacionamentos, por quê não falar também das tristezas? “Cada aluno pode se emocionar, pois a gente toca no coração das pessoas, falamos do sofrimento da dona de casa e do homem que precisa crescer no conhecimento para sustentar a sua família”, destaca o professor.

Fazer o bem

“A minha proposta de vida é fazer o bem, pois tudo o que se faz com amor é realmente uma tendência ao bem. As discórdias e invejas nós suportamos, mas também é possível ver padeiros e confeiteiros nas feiras, que um dia foram meus alunos e me abraçam, me beijam e me agradecem”, conclui.
Para ele, as coisas feitas a toque de caixa, somente para ganhar dinheiro, não funcionam de jeito nenhum. “Agora, as coisas bonitas e bem apresentadas fazem a diferença, por isso entendo que os cursos que fiz foi para aprender, mas também para ensinar. E ensinar é uma virtude que a gente tem, pois o maior dom é a sabedoria, que vem da minha cultura, do meu povo, da minha família”.