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ESPECIAL: Em Ivoti, o desafio do estudo a distância para quem não tem computador ou Internet

12/05/2020 - 17h39min

Antônia e o neto Davi: 5,6 km para ir e voltar do colégio por falta de transporte

Região – Antônia Schallenberger, 63 anos, caminhou 2,8 km na semana passada de sua casa, no bairro União, em Ivoti, até a Escola Aroni Mossmann, no Cidade Nova, para buscar as atividades de aula impressas para seu neto, Davi, 7 anos. Depois, voltou pelo mesmo trajeto, somando 5,6 km a pé. Com a nova rotina sem aulas, estudar tem sido assim para o menino, que está no 2º ano.

A agricultora não se importa. Afirma que faz a caminhada em busca de uma educação melhor para o garoto serelepe, que, por enquanto, pinta, faz contas e aprende alemão em casa. Assim como ele, muitas outras crianças têm aulas à distância. As famílias dos alunos também tiveram a opção de receber os conteúdos online. Sem computador na residência, Davi precisou receber em papel.

Não há transporte público para o deslocamento até a escola, já que o serviço também foi suspenso pela Prefeitura. A família tem automóvel, mas é utilizado pela mãe e pelo tio, que vivem na residência junto com ambos, mas trabalham. “Acabamos estudando junto com ele, mas fazemos porque é obrigado. Nos esforçamos em ajudar como podemos”, comenta Antônia.

João e a neta Letícia: método desaprovado pela família

Eficácia do ensino a distância em dúvida

No bairro Jardim Bühler vive a adolescente Letícia Vitória Cargnin, 13 anos, aluna do 8º ano da Escola Ildo Meneghetti, na Morada do Sol. No caso dela, o avô, João Soares Paiva, popular João Vira-Mato, que é deficiente físico, se organizou para buscar os materiais pedagógicos no colégio, pois só ele dirige e teria condições de fazê-lo.

A família também não tem computador em casa, por isso optou pelo impresso. Mesmo assim, ela afirma ter receio da eficácia das aulas a distância. “Ela está recebendo materiais que não entende, que eles nunca estudaram”, comenta a tia da jovem, Daniela Soares Paiva. A jovem recebeu da escola livros didáticos para estudo, além dos materiais em papel para a semana toda.

De acordo com a jovem, a turma estuda nove disciplinas, e no último dia 4, o colégio disponibilizou folhas com os materiais de todas elas, de uma só vez, como se fossem provas. A tarefa é estudar os conteúdos nos livros, e devolver as folhas na segunda seguinte. Toda semana são entregues novos materiais e os anteriores são corrigidos.

Como não são considerados aulas, não há obrigação do cumprimento dos materiais pedagógicos, apenas a recomendação. Mesmo assim, Letícia afirma que fará as atividades auxiliada por sua família. Uma das disciplinas que a jovem alega que não havia estudado anteriormente foi inglês, e ela ainda afirma ter dificuldade na compreensão das atividades do idioma.

“Ela está recebendo atividades que não entende, que eles nunca estudaram” – Daniela Paiva, tia de Letícia

Bairro União, um dos mais carentes do município de Ivoti

150 pessoas sem acesso à Internet em um bairro de Ivoti

As estatísticas mostram que muito precisa ser feito para que as aulas a distância atinjam plenamente as comunidades mais carentes de Ivoti. Moradores ouvidos pelo Diário estimam que haja atualmente 90 famílias morando no bairro União, das quais cerca de 85% (cerca de 76 famílias) têm crianças na escola. Metade delas (38) tem acesso à Internet.

Considerando quatro pessoas por família, são 152 pessoas totalmente desligadas da rede na localidade. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, divulgados em abril, mostram que 76,7% dos gaúchos com idade de dez anos ou mais tiveram acesso à Internet, ou 7,7 milhões de pessoas.

Entre os que tiveram acesso, está 93,2% do total de estudantes do Rio Grande do Sul, ou 2,6 milhões de pessoas. Apenas 6,8% dos estudantes gaúchos não acessaram a rede no período aferido pela pesquisa, ou um universo de 123 mil pessoas. Os dados divulgados pelo IBGE são referentes ao 4º trimestre de 2018.

O que diz a Prefeitura de Ivoti

De acordo com a Prefeitura, estes estudos pedagógicos não são considerados como aulas ministradas, e que o acúmulo de atividades retiradas é justamente para evitar a circulação diária de estudantes nos colégios. Futuramente, os dias letivos não realizados serão recuperados conforme a elaboração de um novo calendário escolar após o retorno das aulas presenciais.

“Essas aulas serão, no máximo possível e razoável, recuperadas presencialmente”, afirma a secretária de Educação de Ivoti, Cristiane Spohr, que apenas respondeu à reportagem por meio da assessoria da Prefeitura. De acordo com ela, a iniciativa das atividades pedagógicas “em casa” já tem o objetivo de retomar as atividades letivas. “Estamos imbuídos de um trabalho coletivo da rede para que a proposta impacte de forma positiva”.

Secretária Marli, em Linha Nova: aulas online ou entregues em casa quando necessário

Linha Nova entrega atividades em casa

Em Linha Nova, as aulas também são feitas a distância, mas de uma forma diferente. No município, quem não pode acessar a Internet recebe os materiais pedagógicos em casa, pela própria secretária de Educação, Marli Schmitt. Cada turma também criou um grupo de WhatsApp, no qual estão presentes pais, diretores e professores, e por meio do qual as experiências são compartilhadas.

“Como houve a extensão da suspensão das atividades, fizemos um plano de ação pela Smec e repassamos ao Conselho Municipal de Educação, que aprovou a medida. Estas atividades são validadas como aulas, conforme normativa do Conselho Nacional de Educação (CNE), que está em discussão no MEC e deverá ser aprovada em breve”, explica Marli.

Os conteúdos podem ser devolvidos nas escolas prontos na semana seguinte, mas, segundo ela, os pais têm optado por compartilhar os resultados nos grupos, como forma de incentivo e contato com outras crianças, além de tirar dúvidas de quem precisa. “Os pais estão sendo muito participativos, e nós sempre estamos nos reinventando, criando novas atividades”, salienta a secretária.

Presidente Lucena faz contato com as famílias por telefone

Em Lucena, o município começa a encaminhar, a partir desta semana, no Ensino Fundamental, propostas e/ou atividades aos alunos do ensino fundamental, para retomar e rever as aprendizagens já construídas. Na Educação Infantil, haverá sugestões de experiências e vivências para os bebês e para as crianças menores junto às famílias.

“Foram diversos encontros, ouvidos todos os profissionais e a partir destes, com as devidas orientações do Conselho Municipal de Educação, buscamos o contato direto via telefone com todas as nossas famílias”, afirma a secretária de Educação, Mônia Schunk.

Também houve reuniões via lives e videoconferências. O município está mapeando alunos sem Internet ou impressora em casa e estudando formas de fazer com que estes conteúdos pedagógicos cheguem até eles. Grupos de WhatsApp com as famílias foram criados. “Desde o início da suspensão das aulas presenciais, estamos atentos a cada sujeito envolvido no processo ensino-aprendizagem”, diz Mônia.

Estância Velha também oferece aulas online

Alunos de Estância Velha também terão atividades enviadas online ou retiradas com hora marcada nas escolas. Quem não tiver acesso via redes sociais, poderá entrar em contato com o colégio e agendar um horário para retirar os conteúdos. As equipes diretivas retornaram às atividades no último dia 6, com 50% da carga horária presencial e 50% remoto.

Já os professores estão realizando 30% de carga horária presencial e 70% remoto. “As atividades começaram a ser postadas na segunda-feira, 11. Todo material impresso que precisa ser encaminhado será higienizado, assim como ocorre no seu retorno”, salienta a secretária municipal de Educação e Cultura, Rosane Dalpiaz.

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