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Mães de UTI´s, incerteza e medo substituídos pela fé e um amor inabalável

11/08/2020 - 08h55min

Atualizada em 11/08/2020 - 08h57min

Por Melissa Costa

Dois Irmãos – Elas tiveram que trocar o cuidado pela primeira roupinha, àquela para a tão esperada saída do hospital, assim como escolha de cada detalhe do quarto, por uma ida às pressas para uma consulta seguida da internação inesperada. As chamadas carinhosamente de “Mães de UTI´s” não puderam esperar pelas 40 semanas de gestação para dar à luz. Por complicações já previstas ou por mudanças repentinas no quadro de saúde, seus filhos nasceram antes de estarem com peso e tamanho ideal e, com isso, precisaram passar pela vivência da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Neonatal. São semanas e até meses dos pequenos lutando pela vida.

O medo do parto prematuro e as incertezas sobre a sobrevivência do filho são substituídos por uma fé inabalável e um amor incondicional. “Quando teu filho nasce tão pequenino e frágil, você precisa deixar a sua dor em segundo plano. Naquela hora, ele precisa da tua força, do teu leite, do teu amor. Precisamos estar fortes por eles e, de uma forma inexplicável, criamos uma força que jamais poderíamos imaginar possuir”, disse a mãe de prematuro, Mariele de Matos. As mães se apoiam entre elas na UTI e contam muito com a dedicação das equipes médicas. “A gente se agarra a todas as forças e orações”, completa Luana Lorscheiter Schneider, mãe do prematuro Teodoro.

“A gratidão em estar viva e poder
cuidar do meu filho, supera não
conseguir mais engravidar”

A gravidez de Luana Lorscheiter Schneider, 28 anos, foi planejava. Antes de interromper o anticoncepcional, ela procurou o médico e fez uma bateria de exames. Tudo estava bem, poderia ser mãe. A gravidez ocorreu no primeiro mês de tentativa. E tudo seguiu normalmente até a trigésima semana. Em casa, Luana sofreu um pequeno sangramento e sentiu dores, que já eram contrações. Ao consultar no Hospital Regina, em Novo Hamburgo, ficou internada. O parto precisou ocorrer de forma prematura e Teodoro nasceu com 1,6kg. Como previsto, foi internado na UTI Neonatal. Luana já sabia que teria a missão de ser mãe de UTI, o que ela não esperava era se tornar uma paciente de UTI e ter que lutar pela própria vida. Cinco dias após o parto, em casa, ela passou a ter sangramentos. Foi internada e, mesmo com corretagem, o sangramento não passava. Sentindo-se cada vez mais fraca, recebeu a notícia de que os médicos teriam que remover seu útero. “Na hora, só falei para o médico que ele poderia tirar tudo que precisasse, desde que ficasse viva para ver meu filho crescer. Eu não queria morrer e deixar ele sem mãe”. Mesmo após a remoção do útero, Luana seguiu piorando. “Precisei ficar três dias na UTI e fizeram 12 transfusões de sangue.”, conta ela.

INTERNAÇÃO DUPLA – Ao mesmo tempo em que se recuperava, acompanhava o filho. Em 53 dias, Teo pode ir para casa. “Na UTI, a gente comemora cada grama de peso que o filho ganha. Tudo é intenso demais. Eu e o Jonni (marido, Schneider) nos emocionamos muito”, lembra ela. Sobre não poder mais ter filho, Luana disse que encarou bem a nova realidade. “A gratidão em estar viva e poder cuidar do meu filho, supera não conseguir mais engravidar. Eu sei o risco grande que corri; poderia não estar mais aqui. Assim como também poderia ter perdido meu filho em uma complicação. Mas deu certo, estou podendo ser mãe e me emociono com cada conquista dele”.

TRATAMENTO DO TRAUMA
Meses após o parto, Luana passou a desenvolver a síndrome do pânico e início de depressão. Em 2019, decidiu pelo acompanhamento com psiquiatra. Hoje, está bem e superou o trauma. “Eu passei a ter medo de morrer e só em pensar na possibilidade de deixar o Teo sem mãe, isso me provocava crises de ansiedade. Qualquer dor que eu tinha, imaginava algo mais grave”, conta ela, que faz questão de relatar esse período delicado como incentivo a outras mães. “Só quem passa por tudo, sabe o quanto é difícil”, disse ela, resumindo um pouco do que foi viver a UTI Neo. “A vivência dentro da UTI Neo me fez estar em uma montanha russa de emoções. Eram momentos de desespero, incertezas e angústias; mas também de alegria e alívio a cada pequena conquista do nosso pequeno. Me agarrei a todas as forças e orações”.

Só rezava a Deus para acontecer o melhor para ela”

Aos 25 anos, a educadora Kássia Loh Barth viveu duas vezes a experiência da UTI Neonatal. Foram dois períodos difíceis e os sentimentos se misturam ao recordar as gestações. Na primeira, a filha Lavínia nasceu com 31 semanas e ficou na UTI de novembro a janeiro. Hoje, a pequena tem um aninho e sete meses. Infelizmente, há poucas semanas, Kássia perdeu a segunda filha, Aline, sete dias após o parto realizado com 25 semanas de gestação. A bebê sofreu complicações graves e faleceu. Ao falar destes dois momentos, a jovem mistura ainda os sentimentos de gratidão pela vida da Lavínia e o luto pela despedida precoce de Aline. “Ser mãe de UTI é algo que te exige muito e você também descobre forças que nem sabia que tinha. A gente se questiona se vai dar conta, se tudo vai dar certo”. A vida do filho, nesse momento, escapa das mãos da mãe. “O mais difícil é que não depende de você, do seu empenho, das suas mãos para o seu filho viver. Não depende da gente alimentar e cuidar. A gente depende e precisa confiar na equipe médica e também no milagre da vida. Como o bebê reage é que decide tudo”, diz Kássia.

“Um anjo aqui comigo e outro no céu”

Da primeira gestação, Kássia descobriu a gravidez com 21 semanas, depois de ter desistido da maternidade. Devido a complicações, o diagnóstico médico é de que ela não poderia ser mãe. Chegou a tentar por dois anos e, quando não tinha mais expectativas, ficou grávida sem esperar e perceber. “Era comum a menstruação atrasar meses e, no começo, não ganhei muito peso. Quando comecei a sentir dores e após tratamentos, fiz uma ecografia e descobri que seria mãe”. No início, o sentimento foi de medo, mas logo Kássia se emocionou ao saber que viveria a maternidade. Foram mais 10 semanas e o parto chegou antes do esperado, com 31 semanas, no Hospital de Sapiranga. Assim que nasceu, Lavínia foi imediatamente para a UTI. Em menos de dois dias, a mãe recebeu alta. A bebê continuaria por tempo indeterminado. “Foram três meses de rotina diária da minha casa para a UTI. É cansativo, mas ao mesmo tempo o sentimento de ver teu filho reagindo é indescritível”. O segundo parto prematuro de Kássia ocorreu em São Leopoldo e o luto ainda é recente. Dessa vez, ela precisou encarar a despedida mais dolorida da sua vida. Em poucos dias, Alice piorou. “Eu via que ela sofria cada vez que era reanimada pelos médicos. Foi quando parei e pensei muito sobre que vida minha filha teria se sobrevivesse; só rezava a Deus para acontecer o melhor para ela. Hoje, tenho um anjo aqui comigo e outro no céu”, disse ela, sem conter as lágrimas.

 

Passei a acreditar em Deus e descobri uma força que não imaginava possuir”

 O sonho da maternidade se transformou em um dos períodos mais difíceis da sua vida. Foram meses em que sua fé e força foram testadas diariamente. Mariele de Matos, 30 anos, estava grávida de gêmeos e precisou realizar o parto prematuro de Arthur e Davi com apenas 26 semanas. Ambos nasceram pesando menos de 1kg e foram transferidos para a UTI em estado gravíssimo. Arthur, que nasceu pesando 930 gramas, não sobreviveu e morreu nos primeiros dias de vida. Enquanto sepultavam um dos filhos, Mariele e o marido Gilberto Tabile também tiveram que ter forças para lutar pela vida do outro filho, que sofreu graves complicações e estava entre a vida e a morte. “Foi um momento de dor e difícil demais entrar na UTI e ver meu filho morto, enroladinho em tecidos. Peguei no colo e consegui me despedir, mas ainda é difícil demais de falar disso”, disse ela, que precisou do amparo da família e também recebeu muita ajuda da equipe médica do Hospital Conceição, em Porto Alegre, local onde ela ficou internada desde um mês antes do parto. “Cada dia que a gente conseguia manter a gestação, maiores eram as chances de sobrevivência deles”.

Com o falecimento de Arthur, todas as forças e dedicação precisaram ser para Davi, que sofreu diversas complicações. “Lembro até hoje de cada detalhe. Quando estávamos indo enterrar o Arthur, o quadro de saúde do Davi piorou demais. Peguei na mão da médica e pedi para ela manter meu filho vivo. Ela me abraçou e disse que faria tudo que estivesse ao seu alcance”, relembra Mariele, emocionada.

EVOLUÇÃO LENTA E CADA PASSO COMEMORADO

Davi, aos poucos, depois de piorar muito, foi evoluindo e, em três meses, recebeu a tão sonhada alta hospitalar. Cada dia na UTI era uma batalha e cada pequena conquista, era algo celebrado por todos. Davi convive com algumas sequelas, decorrente de parada cardíaca nas primeiras semanas de vida. “Ele consegue fazer praticamente tudo como outra criança, mas precisa de mais estímulo”. Para o futuro, a maior preocupação da mãe é a inclusão do filho na sociedade. Mariele engravidou novamente e a gestação de Érick ocorreu normalmente. “Quando descobri a segunda gravidez, tive medo de passar por tudo novamente. Mas, graças a Deus, tudo ocorreu bem”.

Depois de tudo que passou, hoje com dois filhos em casa, Mariele revela que se tornou uma nova pessoa, uma mulher mais forte e com mais fé. “Passei a acreditar em Deus e descobri uma força que não imaginava possuir. Deus levou um dos meus filhos para o lado Dele, mas também me deu a oportunidade de ser mãe de Davi e Érick”.

EDITORIAL

Mães iluminadas e fortalecidas

Essa reportagem especial sobre as “Mães de UTI´s” estava sendo preparada há algumas semanas. Um trabalho intenso em busca de depoimentos e de profissionais. Logo quando surgiu a pauta, escrevi um pequeno texto nas redes sociais relatando a iniciativa e pedindo sugestões de mães que gostariam de conversar e contar um pouco da vivência na UTI Neonatal. Confesso que me surpreendi com o retorno, pois em menos de 40 minutos, a postagem já contava com dezenas de comentários de amigas indicando mães ou mesmo a própria se colocando à disposição para abrir o coração. Além disso, foram inúmeras ligações nos ajudando. Infelizmente, é impossível conseguir conversar com todas, mas agradecemos a cada uma que se predispôs. Toda essa mobilização só nos fortaleceu e nos confirmou a importância dessa reportagem. Cada depoimento foi único, intenso e repleto de amor. Em alguns, as mães não conseguiram segurar as lágrimas ao recordar a vivência; toda emoção sentida. Como dito em vários momentos, as mães de UTI´s são iluminadas e todas demonstram uma força gigante, além de uma fé inabalável pela vida. Obrigada a todas que abriram sua porta e seu coração à reportagem e desejamos que a leitura da mesma sirva de inspiração e informação (Melissa Costa).

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