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O cárcere da menina de dois anos sendo ameaçada pelo próprio pai em Dois Irmãos

08/10/2021 - 10h30min

Soldado Fabiano (direita) manteve negociação por três horas com apoio do colega, soldado Ezequiel (FOTO: Brigada Militar)

Por Cleiton Zimer

Dois Irmãos – Uma ocorrência tensa e cansativa, na qual qualquer deslize poderia culminar em um desfecho fatal, marcou a trajetória profissional e de vida dos soldados Maurício Fabiano de Oliveira, de 33 anos, e Ezequiel E. Silva Soares, 37 anos, na madrugada de domingo, dia 3.

Um pai, de 37 anos, manteve a própria filha de dois anos em cárcere privado por três horas, ameaçando-a de morte com uma faca de cozinha após discussão com sua companheira, de 45 anos, supostamente motivada por uma crise de ciúmes dele. Mas aquela madrugada, apesar das emoções extremas, não teve um final trágico graças à atuação cirúrgica dos policiais militares.

De acordo com Fabiano, que esteve à frente da negociação com o homem ao longo das três horas, a guarnição da Brigada Militar foi acionada por volta das 2h20 daquele domingo para atender uma ocorrência de violência doméstica no bairro Floresta. Entretanto, ao chegar no local, foram informados pelo irmão da vítima (companheira e mãe da menina), de que o homem teria pego a filha, se trancado dentro carro ameaçando-a de morte com uma faca.

O carro estava estacionado na garagem, de forma que não tivesse possibilidade de acesso pelas laterais para uma intervenção efetiva. Fabiano até tentou mas, quando chegou próximo à porta do veículo o pai alertou que, se viesse mais perto, mataria a própria filha e em seguida tiraria sua vida. Ele estava sentado no banco do motorista com a filha no colo, segurando-a com o braço esquerdo e, com o outro, empunhava a faca.

Três horas negociando pelo porta-malas

“Recuei, mas abri o porta-malas para ter contato visual e comecei a dialogar. Quando vi que ele estava irredutível me afastei e contatei o comando para acionamento do BOPE, para tentar uma negociação”. Mesmo assim em intervalos de meia em meia hora conversava com o pai, usando a retórica de que a criança era inocente diante de toda a situação.

De acordo com o policial o homem não se mostrava agressivo, mas sim, visivelmente depressivo a tal ponto de que a qualquer momento a ameaça poderia se concretizar. “A única coisa que ele pedia era a presença dos irmãos, para se despedir”, pontua Fabiano, explicando que em nenhum momento acionaram os familiares para que não houvesse qualquer interferência que, por mínima que fosse, pudesse levar o pai a cometer a atrocidade que anunciava. A mãe também foi afastada imediatamente com a chegada da guarnição.

Fabiano, que estabeleceu o primeiro contato, manteve a relação de conversa com o homem, sempre mostrando empatia, falando com calma, para gerar e manter um vínculo de confiança, prezando pela integridade da criança que não entendia o que estava acontecendo. “Às vezes a menina chorava, mas por cansaço apenas”.

O pai dormiu e foi acordado pelo choro da filha

Já tinham se passado duas horas de apreensão. Era por volta das 4h30 e o cansaço venceu o pai, que acabou cochilando. Ele acordou meia hora depois com o choro da filha, que também tinha acabado de despertar. Estava mais calmo. Fabiano, mais uma vez com cautela, pediu para que entregasse a menina. Ele disse que o faria, mas só para um irmão ou irmã. Mas essa possibilidade já estava descartada, já que a presença de um familiar poderia ser o estopim para que ele concretizasse a ameaça. “Aí voltei a conversar com ele, com calma, mostrando empatia, sem fazer nenhum tipo de pré-julgamento da situação”.

A partir deste momento ele virou para trás e, pela primeira vez, policial e sequestrador mantiveram contato visual. Até então, ele só ficava de costas. E foi olhando nos olhos dele que o soldado  Fabiano sentiu que o pai confiava nele. “Eu dei a minha palavra a ele que só queria resguardar a integridade física da criança, que queria o bem dela, e que ninguém lhe faria mal. Pedi para largar a faca, entregar a criança, e resolver a ocorrência da melhor maneira possível”.

Foi então que a relação de confiança se concretizou. Já eram quase 5h30 e o pai consentiu em entregar a filha. O soldado Fabiano fez a volta e foi ao lado da porta do veículo. O homem entregou a faca conforme solicitado e, depois, a criança. Ele tentou sair do carro, mas Fabiano o trancou até deixar a menina com outro policial, em segurança. Em seguida deixou o homem sair, que não esboçou nenhuma reação. Foi revistado e algemado.

O BOPE, que estava a caminho, nem precisou entrar em ação. A ocorrência também contou com o apoio do comando local, através do tenente Elton Dhein, e comando regional.

A ocorrência mais difícil da carreira

“A sensação, quando tirei uma menina, foi de alívio mesmo. De conseguir exercer o trabalho da melhor maneira possível”, relata Fabiano, destacando que a adrenalina foi alta, e que a calma na condução da negociação foi fundamental. “Estávamos no fio da navalha”.

Fabiano, que tem nove anos de Brigada Militar, sendo dois e meio na corporação de Morro Reuter, estava compondo o efetivo de Dois Irmãos naquela madrugada. Conta que já teve uma situação parecida quando atuou em Taquara, onde uma mulher tentou suicídio. “Em vários casos usamos o diálogo para resolver a situação, mas esta ocorrência, com certeza, foi a mais difícil da minha carreira. Tinha uma vida inocente nas minhas mãos, onde qualquer coisa que eu falasse ou fizesse poderia ter um desfecho trágico”.

Fabiano, que também é pai, usou mais sua figura paterna para sensibilizar o outro pai desestabilizado naquele momento, do que propriamente sua técnica de soldado.

“Paciência, calma e muita fé”

O soldado Ezequiel, que compunha a dupla com Fabiano, destaca que a ocorrência “exigiu paciência, calma e muita fé”. Eles tentavam, de forma intercalada, manter contato com o pai. “Ao longo das horas que iam se passando e a manhã se aproximava, o soldado Fabiano tentava conversar com ele para ver se assim soltava a faca, para que neste momento eu pudesse efetuar um disparo de arma não letal (choque) no agressor, algo sem expor a vida deles e nem a nossa. Mas sem muito êxito, pois o agressor não sedia”, explica Ezequiel, que prestou todo apoio junto ao colega de farda.

O que se sabe da motivação

De acordo com a polícia, o casal havia voltado de uma janta onde estava um ex-companheiro da mulher, de um relacionamento que teve fim há 14 anos. Ao chegar em casa o autor dos fatos teria sido dominado por uma crise de ciúmes, alegando que a mulher o teria traído. Em um momento de fúria teria agredido a esposa, quebrando coisas dentro de casa.

A mulher teria se trancado no banheiro, na tentativa de se esquivar. Escutou o homem indo na cozinha, mexendo nas facas, no que saiu correndo com a criança para buscar ajuda. Ele veio atrás, empunhando a arma branca, alcançando-a e arrancando a criança dos seus braços.

Ela conseguiu pedir ajuda através do 190.

Preso em Sapucaia

Após ser preso o homem foi encaminhado para exame médico e, posteriormente, direcionado para a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de Novo Hamburgo, onde foi autuado em flagrante por cárcere privado contra descendente menor de idade, lesão corporal e ameaça.

Já com passagens anteriores de vias de fato, injúria, lesão corporal e ameaça, o homem foi direcionado para o presídio de Sapucaia do Sul, onde permanece recolhido.

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