Destaques
O legado das indústrias para o interior de Santa Maria do Herval
Santa Maria do Herval – No auge da expansão do setor calçadista entre os anos de 1995 e 1996, as fábricas do município chegaram a ter aproximadamente 1.800 funcionários no setor, subdivididas em indústrias e atelieres – além de terceirizados – desde a parte central do município indo até às localidades do interior, contribuindo para a sua expansão.
Hoje comportam menos da metade disso. No final do ano passado, de acordo com o Sindicato dos Calçados do município, o Herval contava com 912 colaboradores. Ao longo desse primeiro semestre, em decorrência da crise do novo coronavírus, o número de funcionários diminuiu ainda mais e, atualmente, conta com 857 funcionários.
Além dos empregos perdidos, o entorno das localidades do interior sentiu os impactos devido ao recuo no giro econômico: as indústrias fecharam suas filiais, voltando a se direcionar para a parte central do Herval, fazendo com que muito comércio estabelecido em volta destas fábricas tivessem grande redução no número de clientes.
Ainda assim, no ano passado, o setor foi responsável por 25,48 % no retorno do ICMS para o município, ficando atrás apenas do setor primário, que corresponde à 49,52 %. Já o comércio representou 21,55 % e serviços 3,46%.
Desenvolvimento local
Na medida em que as fábricas e atelieres foram se instalando um notório desenvolvimento emergiu nos arredores. Os próprios moradores testemunharam isso ao destacar que novos mercados,lojas e negócios começaram a surgir e, os que já estavam instalados, tiveram a possibilidade de ampliar os seus empreendimentos.
Isso foi possível em decorrência da vinda de novas pessoas para aquelas localidades, pois encontraram ali um fator primordial: o emprego. Com isso, passaram a fazer compras nos locais, que podiam variar de proporção, mas, uma coisa era garantida: movimentavam a economia.
Além disso, foi possível notar a construção de novas residências nas proximidades, pois, para produzir sapato, é necessária uma parcela significativa de mão de obra e isso garantia muitos postos de trabalho.
Estagnado
Na mesma proporção que as fábricas foram para as localidades do interior em busca de mão de obra para atender às demandas do mercado, elas se retiraram com o passar dos anos, seja para otimizar o custo benefício dos seus processos de produção, ou, então, em decorrência das crises do setor.
“Em um dia entrava mais dinheiro
do que hoje em quase uma semana”
Dona Gladis Zimer, de 61 anos, é proprietária de um minimercado em Boa Vista do Herval. Ela conta que, desde que o estabelecimento foi inaugurado em 1987, nunca passou por tantas dificuldades como vem passando depois que Indústria de Calçados Wirth fechou na localidade.
“Quando tinha a fábrica aqui, em um dia, entrava mais dinheiro do que hoje em quase uma semana”, disse, afirmando que a fábrica possibilitou o crescimento do seu negócio, que estagnou depois que a empresa saiu de lá.
De acordo com Elario Becker, presidente do Sindicato dos Calçados de Herval, a empresa encerrou suas atividades na localidade entre os anos de 2010 e 2011. “Eles ampliaram a produção nas outras duas sedes pois, em Boa Vista, tinha que pagar aluguel”, disse. Com o fechamento, os funcionários foram realocados para o Centro e Bairro Amizade.
O que para a empresa se tornou mais viável acabou afetando o desenvolvimento da comunidade, como no minimercado da Gladis. “Tinha também uma mulher que fazia almoço para os funcionários, mas, quando a fábrica saiu, ela também teve que fechar”, disse.
Gladis e o marido são aposentados. Toda a aposentadoria dela vai para a compra de remédios. Ele é agricultor. “Se meu marido não trabalhasse na roça, seria ainda difícil”, conta.
Ela destaca que, em decorrência da atual crise, o negócio da família nunca esteve tão mal. “Ruim do jeito como está nunca esteve. Onde a gente escuta as pessoas só reclamam. Não temos perspectivas”, lamentou, afirmando que “não adianta comprar mais coisas, pois não vende”.
O calçado em Boa Vista do Herval
De acordo com Elario Becker, a Wirth veio para o município nos anos de 1980. Depois, em 1998, diante do aumento da produção, acabou se instalando também no prédio da Henrich, no Centro, que havia fechado a sua produção. “A Henrich fechou em outubro e, em novembro, a Wirth já havia alugado o prédio com todo maquinário e começado a produzir”, disse o presidente que intermediou a negociação.
Como o prédio era alugado, em 2003 encerrou o contrato e a Henrich voltou a produzir no local. Com isso, a Wirth alugou o prédio em Boa Vista do Herval que, em um primeiro momento havia sido construído para o Atelier do Valdir.
“Só que como a crise da época foi se agravando, o Valdir permaneceu com a produção no seu prédio antigo, alugando o novo que havia sido construído”, disse Elario. Depois, esse atelier fechou e, posteriormente, começou a funcionar a JLV Calçados, que ainda hoje funciona na localidade, com uma nova sede, ao lado do prédio antigo do Valdir, com quase 60 funcionários.
Depois que a Wirth saiu do prédio em Boa Vista do Herval, uma empresa de tecidos alugou o espaço mediante incentivo da Prefeitura, mas saiu há menos de um ano. Dessa forma, na localidade onde antes tinha duas fábricas de calçados, permanece ainda um atelier.
300 empregos perdidos em Padre Eterno Baixo
A localidade de Padre Eterno Baixo também sentiu o impacto da perda de uma importante indústria. A H. Kuntzler se instalou na localidade na década de 1980, em um prédio antigo onde hoje funciona um atelier. Ao longo dos anos a empresa expandiu, construindo um prédio maior para atender à demanda . Dessa forma empregou ainda mais pessoas, chegando à mais de 300 colaboradores no auge e, no prédio antigo, começou a funcionar um atelier.
Hoje, entretanto, o prédio novo serve apenas como depósito, mas a localidade ainda conta com o atelier que, embora menor, garante emprego para cerca de 50 moradores locais. Isso porque a empresa optou por unificar as suas produções, migrando para O antigo prédio da Maide, que havia fechado, no Centro de Herval.
Com isso, a localidade que até então havia prosperado em decorrência da fábrica, passou a ficar estagnada diante das possibilidades que teria se a indústria permanecesse no local. “Isso é difícil para a comunidade, principalmente para os nossos jovens, que não encontram mais muita oportunidade de emprego aqui. Eles precisam sair, buscar fora”, disse dona Leonita Frank, de 59 anos, que trabalhou 23 anos em fábricas de calçados e, desses, 15 foram na H. Kuntzler de Padre Eterno Baixo.
Ela conta que vê claramente o quanto a saída da fábrica atingiu a localidade. “Sempre tinha casas sendo construídas aqui perto. Hoje é difícil de ver alguém começando uma obra. O comércio também crescia e, com isso, todos nós ganhávamos. Hoje, está tudo mais parado”, destacou.
O calçado em Padre Eterno Baixo
Elário Bekcer destaca que “quando a gente criou o sindicato, em 1989, a H. Kuntzler já havia comprado o prédio lá. Ela veio depois que a Travesso faliu e, nesse meio tempo, também funcionou a KMF no local”, disse.
Ele conta que, posteriormente, quando a Maide fechou, a empresa viu a oportunidade de unificar a sua produção e, por isso, fechou a produção na localidade, realocando os funcionários para o Centro, onde permanece em funcionamento até hoje.
150 empregos a menos no Ilges
Em Padre Eterno Ilges a situação se repetiu. A H. Kuntzler começou em um pequeno prédio – em que, hoje, permanece funcionando como atelier. Com o aumento na demanda de produção da época, a empresa construiu um novo prédio, muito maior.
Antenor Dapper, de 48 anos, que era gerente na empresa destacou que, depois de retornaram das férias de final de ano – o qual ele não se recorda com exatidão -, foram comunicados do fechamento da empresa. “Ali tinha uma fábrica completa que tinha 150 funcionários. Parte das pessoas eram daqui e, outros, vinham de Nova Hartz”, contou.
Hoje Antenor possui um atelier de costura no prédio antigo, produzindo para a H. Kuntzler, tendo em torno de 40 funcionários. Mas, ele destaca que com a saída da indústria a comunidade sentiu os impactos. “Afetou muito no crescimento da localidade. Era uma fábrica de potência, de anos, e faz muita falta. É uma perda muito grande. As pessoas já não investem mais em um local onde uma fábrica dessas fecha”, apontou.
Ele também comprou o prédio em que a H. Kuntzler fechou a produção. Lá, ele abriu um mercado. Mas destacou que está receoso quanto ao futuro. “Está complicado. Não sei, mas estou com a ideia de fechar, é pouca venda. Tenho muito custo e a venda está muito baixa. Eu comprei o prédio deles, estou pagando ainda e tive que atrasar algumas parcelas com o que está acontecendo”, lamentou.
“Onde nossos jovens vão trabalhar?”
Dona Eracema Kautsmann, de 70 anos, mora na localidade de Padre Eterno Ilges desde a sua infância. Ela explica que a fábrica de calçados foi importante para os moradores, trazendo desenvolvimento. “Ainda tem o atelier, mas, a fábrica faz muita falta. Onde os nossos jovens vão trabalhar?”, questionou, preocupada.
Ela diz que antes tinha circulação de pessoas no entorno da fábrica, que compravam, construíam casas. “Hoje está tudo meio parado”, lamentou.
Queda de 70% a 80% em comércio em São José do Herval
No município vizinho à Santa Maria do Herval, na localidade de São José do Herval em Morro Reuter, a comunidade também sofreu grandes impactos com o fechamento da H.Kuntzler que, de acordo o diretor do Sindicato dos Calçados, Romeo Schneider, tinha em torno de 100 funcionários. Depois que ela fechou a produção, foi aberto um atelier no local, que empregou em torno de 60 pessoas, mas, há dois anos, também fechou.
A maioria dos empregos não foi perdida. Os funcionários foram realocados para o município de Santa Maria do Herval, porém, a comunidade sentiu os impactos da saída da indústria, principalmente o comércio.
O comerciante Jorge Kielling, de 60 anos, destacou que o faturamento do seu armazém caiu de 70% a 80%. “O pessoal não ficou desempregado, foram reempregados de novo em Santa Maria do Herval. Mas o que acontece é que quando chega o meio-dia as pessoas vão nos mercados, farmácias, açougues de lá. De noite eles pegam ônibus e vão para casa e não tem mais tempo de ir no comércio daqui”, explicou.
Ele conta que as pessoas também deixam de investir na localidade. “Elas pensam antes de construir. Pois não tem emprego e, as pessoas vão onde tem emprego. E isso tudo vai gerando renda lá, e não aqui”, lamentou.
Prefeita Mara: “O outro extremo é atingido diretamente”
A prefeita de Herval, Mara Stoffel (PDT) destacou que o entorno das indústrias, no qual se forma o comércio, acaba sofrendo com a centralização das fábricas. “Aquela localidade se sente no prejuízo, e isso é fato. Mas o que a gente sente nas indústrias é que essas medidas de realocar as pessoas para o mesmo local é para gerar um custo benefício. Só que daí, o outro extremo, é atingido diretamente”, disse ela, afirmando que, dessa forma, só restam os moradores locais para manter o comércio “pois as pessoas que vinham para trabalhar e movimentavam o entorno não vem mais”, apontou.
A prefeita explica que o município dá incentivo para as indústrias empreenderem no Herval, destacando que para cada empresa é uma tratativa diferente, de acordo com a necessidade e situação.
Prefeita Carla fala do impacto econômico e social
Além da fábrica fechada em São José do Herval, Morro Reuter também perdeu, esse ano, a fábrica da Wirth em Walachai. A prefeita Carla Chamorro (PTB) lamenta e destaca que o fechamento de qualquer empresa produz um impacto econômico e social. “Principalmente nas localidades menores, em que a comunidade se organiza e cria uma rotina diária em função do trabalho”, conta.
Carla enfatiza que a prefeitura vem realizando um trabalho junto a empresas da região, mostrando o potencial de Morro Reuter na tentativa de trazer novos empreendimentos. “O trabalho é árduo e incansável”, destaca.
Um pouco da história do calçado em Herval
ANOS 1979, CALÇADOS ERNO: Elario Becker destaca que a primeira fábrica de calçados a chegar no município foi a Calçados Erno, que funcionou onde hoje está o Museu Municipal. Não há registro histórico no Sindicato, porém, Elario afirma que ela veio no final da década de 1970.
MAIDE: Depois, a Erno construiu um novo prédio onde hoje funciona a Henrich. Com isso, a Maide veio para o Herval, também iniciando sua trajetória no prédio do Museu.
EM 86, ERAM 4: Elario conta que em 1986 o município já contava com Maide, Henrich, Wirth e Erno. Posteriormente demais indústrias começaram a surgir, aumentado gradativamente o número de atelieres, funcionários e expandindo a economia local.
PEDRO, VALDIR, EDER: Elário conta que dentre os atelieres que já fecharam, constam o do Carlos Eich, uma Cooperativa de Costura e Calçado, atelier do Pedro Vier, atelier do Valdir Schmitz, do Eder da Vila Amizade. Elario afirma que muitos funcionários destes atelieres, com o desemprego, migraram para outros municípios em busca de oportunidades e, outros, foram absorvidos para o setor da construção civil.