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Diário de Wuhan: o que diz o brasileiro que ficou no epicentro do coronavírus
Enquanto dois aviões trazendo 34 passageiros brasileiros tocavam o solo na Base Aérea de Anápolis, em Goiás, no último dia 9, o instrutor de judô Rodrigo Silva Duarte, 28 anos, observava de longe. O esportista, natural de Natal, no Rio Grande do Norte, vive em Wuhan, na China, cidade de onde partiram as aeronaves levando seus compatriotas.
A Rodrigo, também foi oferecido retornar, mas o potiguar decidiu ficar. Wuhan, com 11 milhões de habitantes, é o local onde surgiu a Covid-19, doença causada por uma variante do coronavírus que assombra o mundo desde o final do ano passado. Segundo dados do governo chinês, somente na cidade, mais de 41 mil pessoas estão ou estiveram infectadas, e 1,3 mil morreram.
Na província de Hubei, onde está Wuhan, está quase a totalidade dos casos. O número de infectados nesta região chegou a 58 mil, com quase 1,7 mil mortes. Em todo o mundo, são 70 mil infecções e 1.772 mortes. O brasileiro Rodrigo, por ora, não se assombra. Bem disposto, ele relatou à reportagem do Diário sobre sua rotina e vivência no epicentro do coronavírus.
“Minha intenção é mostrar que isto não é um bicho de sete cabeças, que essa quarentena é uma ação responsável do governo chinês perante a população e até mesmo com o mundo. É preciso sanar o problema, isto é uma guerra contra um vírus”, relatou o esportista. As conversas foram pelo aplicativo WeChat, bastante popular na China, inclusive entre brasileiros e suas famílias.
Diversos grupos com naturais do Brasil procuram atualizar a situação entre os compatriotas. É também por meio do WeChat que ocorre a maior parte da comunicação entre pessoas dentro e fora do país mais populoso do mundo. Wuhan está em quarentena, assim como outras cidades do entorno, somando 40 milhões de pessoas. Ninguém entra ou sai da cidade pelo ar ou terra.
A intenção óbvia é conter o avanço do coronavírus, para o qual ainda não há cura ou vacina. Rodrigo contou ao Diário que recebeu uma comunicação oficial em mandarim, língua oficial da China. Ela descreve que moradores de todas as comunidades com casos confirmados não poderão sair, exceto funcionários e médicos.
FOTOS: Wuhan após o surto do coronavírus
A orientação é que compras devam ser solicitadas em conjunto, e fornecedores irão alternar as entregas conforme os pedidos, “na entrada e saída” dos condomínios. “Por favor, coopere conscientemente com a ordem do governo, não saia, não desça, não ande no quintal e não recolha lixo no quintal. Se alguém violar as regras, informe diretamente à comunidade e informe na delegacia”, afirma o texto compartilhado por Rodrigo.
A ordem começou a valer no sábado, 15, e é uma medida mais rígida do que a que estava em vigor até então. “O governo aumentou as medidas de contenção, agindo diretamente nos condomínios, provendo assistência e evitando o máximo de locomoção possível. Existe um pessoal da saúde no primeiro piso e outro fazendo um trabalho de limpeza mais frequente. Parabenizo o governo chinês por tomar estas decisões sérias contra esse problema”, afirma o potiguar.
Rodrigo vive desde 2016 em Wuhan, onde fixou raízes. Sua namorada é natural da cidade. O casal não tem filhos. Ele conta que, quando soube a respeito do vírus, procurou realizar um investimento em prevenção. “Quando ficamos sabendo da quarentena, investimos para ficar um mês tranquilamente em casa sem precisar ir ao supermercado com frequência”, conta ele.
Ele conta que ajudou a realizar o vídeo, disponibilizado no YouTube, no qual brasileiros em Wuhan pediam ao presidente Jair Bolsonaro, e ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, auxílio para retornar ao Brasil após a explosão do coronavírus. “Participei, somei forças e fiz o que deu para ajudar meus compatriotas. Falo no final: ‘Brasil, casa de todos nós’”.
O ato, organizado pelo grupo de brasileiros no WeChat, serviu para o governo federal organizar uma operação de resgate, denominada Regresso à Pátria Amada. De Wuhan, eles vieram para a goiana Anápolis, onde estão em quarentena há mais de uma semana em uma base militar, embora nenhum deles tenha até agora apresentado sintomas do Covid-19, de acordo com a Força Aérea Brasileira.
Rodrigo é um dos onze brasileiros que permaneceram em Wuhan, por motivos pessoais ou profissionais. Ele acredita que não há nenhum gaúcho no grupo que decidiu ficar. Conta também que não frequenta o mercado de animais onde teria sido o ponto zero do surto. “Moro longe dele”, disse o professor ao Diário.
É inverno em Wuhan, onde neva com frequência nesta época. Assim como no Brasil, a época é mais propícia para a proliferação de infecções respiratórias, em função da permanência em ambientes mais fechados. “Muitas pessoas ficam gripadas e já entram em pânico pensando que é este vírus, acabam indo ao hospital que tem gente realmente infectada e acaba se infectando”, comenta.
FOTOS: como era Wuhan antes do surto
O restante da população da metrópole enfrenta o problema como pode. Segundo um portal de notícias sediado em Wuhan, foi lançada recentemente uma ferramenta colaborativa na qual é possível mapear onde estão pessoas infectadas (clique AQUI e acesse, em mandarim). O objetivo, conforme o site, é “identificar áreas potencialmente perigosas e permanecer seguro”.
Outra postagem recente do site diz que os moradores de Wuhan “não são Resident Evil”, referência à conhecida série de games, histórias em quadrinhos e filmes, cujo enredo está relacionado ao surto de um vírus que após escapar de um laboratório, transforma os habitantes da fictícia cidade de Raccoon City em zumbis assassinos.
Enquanto isso, Rodrigo diz que deve retornar ao Brasil mesmo em suas férias, em agosto. Até lá, conta que sua família em Natal o está apoiando. “Falaram que caso eu precise de algo, é só avisar”. Faz também um paralelo com outra grave situação. “Sempre faço uma comparação com os números de homicídios mensais no Brasil. Temos uma epidemia em nosso país”, salienta ele.
Onde fica Wuhan
Saudável, o jovem professor mantém sua rotina, ainda que de maneira mais restrita. “Realmente me preparei e isto tem um custo, a possibilidade de voltar veio depois desta preparação. No momento me sinto seguro dentro do possível. Basicamente, sigo as orientações e fico em casa, aproveitando o tempo livre”, conta.
Questionado se pretende realizar algum registro para a posteridade, Rodrigo diz que tem a ideia de fazer um documentário sobre sua experiência morando no epicentro do coronavírus. “Até estou pensando em fazer upload de vídeos no YouTube com mais conteúdo”, afirma. Surpresa alguma para o brasileiro que sempre buscou superar barreiras no esporte e na vida.