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Diário Rural: “se eu nascesse de novo, com certeza iria trabalhar na roça”

25/07/2019 - 18h08min

Santa Maria do Herval – No interior, a vida parece andar mais devagar, é como se o tempo não tivesse tanta pressa e, com isso, cada detalhe se torna significativamente mais rico. É assim na propriedade do casal Maria Lúcia Wingert e Irineo Wingert, que há 42 anos moram na localidade de Padre Eterno Baixo, em Santa Maria do Herval. Lúcia, como é mais conhecida, tem 66 anos e Irineo 65, ambos aprenderam a trabalhar na roça quando ainda eram crianças e, assim, ajudaram seus pais a sustentar toda a família com os trabalhos na lavoura.

Eles se casaram em 26 de junho de 1976, e tiveram quatro filhos. Apesar de hoje nenhum deles trabalhar na roça, todos foram criados com o suor de Irineo e Lúcia, que os criaram na base da agricultura familiar. “Hoje em dia, as pessoas realmente não tem mais como trabalhar na roça sendo apenas um pequeno agricultor. Os nossos filhos até nos ajudaram quando ainda eram mais jovens mas, com o tempo, tiveram que ir para as fábricas, pois é muito difícil alguém se sustentar e ainda mais, sustentar uma família na roça”, comenta Lúcia, que hoje é aposentada e diz que os tempos estão muito diferentes. “As crianças e os jovens de hoje em dia tem uma vida de ouro comparado ao que já era, e muitas vezes não dão valor a isso”, disse.

Dificuldades

Hoje, somente Irineo, que também é aposentado, ainda trabalha na roça. “Planto milho, batata, feijão, mandioca, cuido dos meus animais, mas não trabalho mais tanto quanto antigamente. Já estou um pouco cansado, pois sempre tivemos que trabalhar muito pesado”, comenta Irineo, dizendo ainda que a vida do pequeno agricultor tem ficado mais difícil a cada ano. “Eu não tenho maquinário, tenho só minha carreta agrícola, então preciso deixar lavrar a terra, plantar, comprar adubos, colher, pagar o frete para levar ao cliente, pagar imposto e, no fim, não sobra muito lucro. As vezes dá umas temporadas boas mas, o problema, é que quando vem uma temporada ruim é difícil de se recuperar”, disse, relatando que esse ano perdeu boa parte de sua plantação de milho devido a um vendaval que derrubou tudo.

Paixão pela roça é maior que as dificuldades

Apesar das dificuldades e do cansaço, Irineo deixa bem claro que não quer outra vida a não ser a de agricultor. “Se eu nascesse de novo, sem dúvida, queria ser agricultor de novo. Aqui nunca faltou nada para mim, nem para minha família. Podia até faltar dinheiro, mas sempre tivemos uma mesa farta e muita união”, disse.

E além disso, o que mais encanta Irineo é o lugar em que vive. Suas terras ficam em um dos vales mais altos de Santa Maria de Herval, onde se tem um vista privilegiada do município. “Eu preciso estar aqui. Preciso subir aqui no meu morro e sentir essa liberdade e esse ar puro. Trabalhar na roça não é fácil não, assim como em nenhum lugar é fácil, mas aqui eu me sinto livre, e isso não tem preço”, diz ele, orgulhoso de ser chamado de agricultor.

Sustos

Irineo recorda que, há alguns anos, estava na roça junto com Lúcia e, naquele dia, foi picado por uma cobra. “Levei um grande susto. Eu nem sei certo o que senti na hora, era uma dor misturada com uma sensação estrada que se espalhava pelo corpo. Logo subi na carreta e fui para casa e, de lá, me levaram para o hospital”, comenta.

Ele recorda que matou a cobra, uma jararaca, e levou ela junto no hospital, para que os médicos soubessem qual antídoto usar. “Quando cheguei, mostrei a cobra para a enfermeira, ela levou um grande susto e quase saiu correndo”, relembra, rindo de uma situação que, de acordo com ele, quase custou sua vida. “Hoje sempre estou sozinho na roça, mas realmente é muito perigoso”, ressalta.

Irineo mostra o susto da enfermeira ao ver a cobra. (FOTO: Cleiton Zimer)

Fogão a lenha e o chimarrão

O dia de Lúcia e Irineo sempre começa antes do raiar do sol. Eles acordam até mesmo antes das 6h, ligam o fogo no fogão a lenha, tomam chimarrão e conversam, planejando como vai ser o dia e quais as tarefas que devem ser executadas na roça. “Nossa vida é assim, é uma vida de colonos. Acordamos cedo, tomamos nosso chimarrão ao lado do fogão a lenha, conversamos e depois vamos fazer nosso serviço”, comenta Lúcia.

Eu já não posso mais ir na roça. Na verdade eu queria ir, mas meus filhos me pedem para ficar em casa pois eles têm medo que eu me machuque. Assim eu faço os serviços domésticos”, diz Lúcia, lembrando que, no início do casamento, Irineo se intoxicou com os agrotóxicos da lavoura e, devido a isso, ficou muito tempo sem poder trabalhar direito. “Durante esse tempo em que ele estava doente, eu e meus filhos fizemos todo o trabalho pesado da roça e, eu acho, que é por isso que hoje não consigo mais trabalhar tanto, pois tínhamos que nos esforçar muito. Nossa família dependia disso”, comenta.

O dia só começa depois do chimarrão.

O Casamento

Maria e Irineo não foram os únicos a casar na tarde chuvosa e fria de 26 de junho de 1976. O Irmão de Maria também se casou naquele dia, com a irmã de Irineo. O casório entre os irmãos aconteceu na mesma igreja, e a festa também aconteceu no mesmo local, reunindo toda a família. “É algo único e diferente. Eu não me recordo de isso já ter acontecido aqui na nossa comunidade e nem na região”, relembra Lúcia.

Na direita da foto, Irineo e Lúcia, no centro o pai de Irineo e na esquerda o Irmão de Lúcia e a irmã de Irineo. (FOTO: Arquivo pessoal)

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