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Secretaria da multa: mais de 50 ivotienses são punidos por questões ambientais
Ivoti – “Sugiro aos moradores de Ivoti que mantenham a grama de suas casas bem aparada, pois corre-se o risco de o Meio Ambiente entender que se trata de uma mata nativa caso ela cresça um pouco”. O tom irônico da declaração de um morador, multado por roçar um terreno, é a tônica de um sentimento de desconfiança e revolta que se espalha pela cidade nos últimos tempos.
Usar a ironia para tratar de um assunto sério talvez não seja a melhor opção, mas é a forma encontrada por alguns para encarar uma espécie de perseguição que se instalou no município provocado pela Secretaria do Meio Ambiente, ou, para os mais críticos, a Secretaria da multa.
Em um ano e meio, 51 pessoas foram multadas – com autuações que variam de R$ 200 a R$ 12 mil – por algum tipo de infração ambiental em Ivoti. Entre os alvos estão desde “simples” moradores, que podaram de maneira equivocada uma árvore, até indústrias de grande porte, que decidiram tocar seus negócios, enquanto aguardavam a liberação de algum tipo de documento para funcionar.
Os dados mostram que a cada 15 dias, entre janeiro de 2018 e setembro de 2019, um ivotiense recebe uma notificação. Foram 31 multas aplicadas em 2018 e já são 20 este ano, até o dia 5 de setembro, quando a Prefeitura atendeu a uma solicitação do Diário e entregou documentos relativos a autuações ambientais.
A reportagem precisou apelar à Lei de Acesso à Informação (LAI) para obter uma resposta eficiente da Secretaria do Meio Ambiente já que, em uma primeira solicitação, via assessoria de imprensa, o resultado não se mostrou suficiente.
PRINCIPAIS ALVOS
Somente em sete ocasiões (25%), as autuações foram referentes a crimes ambientais graves como o lançamento de resíduos poluidores na rede pluvial.
A vigilância sufocante exercida pelo Meio Ambiente afugentou empresários que tinham a ideia de gerar emprego e renda em Ivoti e impôs um freio nos empreendedores locais, que ainda insistem em investir no município.
No período analisado pela reportagem, pelo menos três empresas fecharam as portas após receberem autuações ambientais. “O sentimento é de que fazem pelo simples prazer de multar, para massagear o próprio ego, se sentir poderoso”, colocou um empresário, que pediu para não ter o nome divulgado com medo de sofrer ainda mais nas mãos da Secretaria da multa.
O medo de falar publicamente sobre suas experiências e sofrer uma perseguição ainda mais feroz do “sistema” é um fantasma que ronda os empreendedores de Ivoti.
Pelo menos sete donos de empresas consultados pelo Diário falaram em off, mas pediram para que seus casos não fossem mencionados na reportagem, mesmo que de forma anônima. “Estou prestes a ter que renovar minhas licenças, então, se eu falar o que já passei na mão deles (Meio Ambiente), vão saber que sou eu e posso ter problemas”, justificou o sócio de uma empresa.
Após multa, empresário sepulta projeto
apesar de já ter investido R$ 240 mil
Com tudo planejado, um empresário decidiu sepultar um projeto inspirado nos alpes europeus ao ser surpreendido por uma autuação “exacerbada”, quando a lei sugere uma advertência.
O empreendedor estava na fase final de implantação da primeira etapa do projeto, com R$ 240 mil já investidos com a instalação de um pequeno frigorífico de pescados, quando recebeu a multa de pouco mais de R$ 2 mil.
Segundo o ivotiense, a decisão de encerrar o projeto não foi pelo valor da multa, que é irrisória para o tamanho do sonho, mas pela forma como a empresa foi tratada.
Segundo o empresário, na primeira fase, o empreendimento havia atendido todas as recomendações da fiscalização até então. “Derrubamos uma parede de porcelanato para colocar uma porta, mas quando fizemos uma coisa sem a participação da fiscal, ela entendeu que cometemos uma infração”, conta.
O investidor diz que não quer nada além do que a lei determina, mas considera que a fiscalização ambiental agiu com maldade no caso. “Estávamos no final da obra, concluindo as cinco últimas condicionantes das 20 impostas pela fiscal para licenciar o frigorífico”, explicou. “O que fizemos não foi de má-fé, não houve dolo. Quer saber o que fizemos? Tínhamos apenas autorização para vender peixe inteiro e, em um determinado dia, decidimos vender filés”, relata.
Segundo ele, o projeto de parque temático poderia atingir “dimensões imensuráveis” e colocar Ivoti ainda mais em evidência.
Mas, diante da fragilidade de posicionamento do Executivo e devido ao ambiente hostil, “decidimos não gerar qualquer imposto e emprego no município”, concluiu.
+ DADOS
Dia cativo
Além de manter uma frequência, é possível verificar que a Secretaria da multa tem dia favorito para multar: todas as segundas e quintas-feiras. Das 51 autuações aplicadas, 14 foram resultado de fiscalizações realizadas às segundas.
Outras 11, de ações ocorridas às quintas. Nos demais dias da semana, os números mantêm um equilíbrio. A vontade de multar faz com que os servidores atuem, inclusive, aos sábados.
Aumentam no 2º semestre
A tendência é de que a aplicação de multas aumente no 2º semestre. No 1º semestre de 2018, foram aplicadas 12 multas, contra 19 autuações no semestre posterior. Em 2019, o cenário deve se repetir.
67 árvores derrubadas
Valor médio das multas
Como já mencionado, o valor das multas varia de R$ 200 a R$ 12 mil. O valor médio das autuações, contudo, ficam na casa dos R$ 1 mil. As maiores multas são para casos relacionados ao manejo de resíduos líquidos e sólidos, cujas multas aplicadas, em média, são de R$ 6.500 e R$ 6.250, respectivamente.
As explicações
O secretário do Meio Ambiente, Renato Luis Veiga Oliveira Júnior, explica que as multas ambientais foram aplicadas de acordo com o que manda a legislação.
Contudo, ponderou que antes de autuar qualquer morador, os técnicos da Secretaria buscam o diálogo para resolver os problemas. “A gente sempre abre espaço para o diálogo, chama os moradores e empresários para reuniões na Secretaria, mas não podemos fechar os olhos”, declarou.
Já o prefeito Martin Kalkmann nega qualquer tipo de perseguição contra os moradores e refuta a ideia de haver uma política (regra) de governo cujo objetivo seja buscar, a todo custo, infratores para que estes sejam multados.
Para Martin, o alto número de multas pode ter relação com uma característica de Ivoti: “aqui, os moradores denunciam muito crimes ambientais, é um denunciando o outro”, coloca.
Mais de R$ 120 mil em multas
A Secretaria do Meio Ambiente aplicou, de janeiro de 2018 a 5 de setembro deste ano, R$ 120.484,34 em multas. No ano passado, foram R$ 75.015,41 em multas distribuídas.
Neste ano (números ainda não consolidados), em 20 autuações, outros R$ 45.468,93 estão sendo cobrados dos moradores/empresários que, em tese, cometeram algum tipo de infração ambiental.
O “carro-chefe” da arrecadação são as multas aplicadas por falhas no manejo de resíduos sólidos e líquidos.
Depois, a falta de algum tipo de licenciamento (ambiental, de operação ou de instalação) e o corte de árvores nativas aparecem, quase empatadas, no ranking das infrações mais caras.
No gráfico a seguir, é possível analisar o valor total de multas aplicadas por tipo de infração.
Valor arrecadado é maior
O valor arrecadado com as multas é ainda maior. De acordo com os números disponíveis no Portal da Transparência, e confirmados pela Secretaria da Fazenda, a arrecadação com as multas ambientais somou R$ 176.613,81 (em 2018) e R$ R$ 79.360,14 (até outubro de 2019), em ambos somam-se os valores acumulados dos anos anteriores.
Valor das multas serve para tudo, menos
para investir em educação ambiental
Neste último ano e meio, o recurso do fundo, conforme dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE/RS), serviu para custear curso para a fiscal ambiental aprender a multar mais, pagar calendários, folders e banners. Chegou a servir, em 2017, para comprar um carro zero-quilômetro para os funcionários da Secretaria.
O que menos se vê, contudo, é o dinheiro das multas ser investido em projetos de educação ambiental, para que os moradores de Ivoti aumentem a consciência ambiental. Não há, por exemplo, um real investido na compra de mudas de árvores para fazer o reflorestamento de uma área degradada, muito menos em algum programa de análise dos arroios do município.
PARADO NO TEMPO
O Ceami, espaço destinado a educação ambiental de crianças de Ivoti, também não foi merecedor de nenhum recurso do fundo. O espaço, que em setembro completou oito anos de atividades, está parado no tempo. O Centro segue com a mesma estrutura de quando foi criado, com algumas poucas transformações.
De acordo com a Prefeitura, um dos últimos investimentos feitos no Ceami, com dinheiro das multas ambientais, foi a reforma de uma estufa. Quem for visitar o espaço verá que a tal estufa já apresenta danos na estrutura, indicando que a melhoria aconteceu há bastante tempo.
Prefeito faz autocrítica e admite falta de projetos
A Administração relata que o uso do recurso disponível no fundo depende da autorização dos membros do Conselho do Meio Ambiente. Conforme o secretário Renato, existe uma ideia dentro do Conselho de que o dinheiro para investimentos na área ambiental deve sair do caixa da Prefeitura. “Isso vem mudando, é verdade, mas ainda seguram muito o dinheiro”, reclamou.
O secretário conta que, desde que assumiu o cargo, passou a dialogar bastante com os membros do Conselho, a levar projetos e apresentar propostas. “Ajudou a melhorar muito a flexibilidade dos conselheiros”, aponta.
Recentemente, segundo Renato, o Conselho liberou mais de R$ 70 mil para que a Administração realize um estudo das áreas de preservação permanente do município, e também deu sinal verde para seja feito o mapeamento de uma área, na rua São Leopoldo, onde a Prefeitura pretende instalar uma praça voltada à educação ambiental. “Ali queremos construir um centro de referência ambiental e criar trilhas ecológicas, por exemplo”, explicou.
Já o prefeito Martin Kalkmann concorda que há uma certa resistência por parte do Conselho para liberação de recursos, contudo, faz uma autocrítica: “talvez também seja por uma falta de demanda de mais projetos”, colocou.
Em relação ao Ceami, o prefeito não concorda que o local está parado no tempo. “A estrutura não é ruim e, atualmente, atende às necessidades de maneira satisfatória”, concluiu.