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Cadernos

O desenvolvimento às margens do Rio Cadeia com os antigos moinhos em Santa Maria do Herval

19/05/2021 - 16h44min

Atualizada em 19/05/2021 - 16h52min

Normélio trabalhou durante anos no moinho da família, principalmente fazendo farinha e descascando arroz (FOTO: Cleiton Zimer)

Por Cleiton Zimer

Santa Maria do Herval – O Rio Cadeia nasce na Serra Grande, em Igrejinha, na divisa com a localidade de Padre Eterno Baixo. Ele começa tímido entre as pedras e vai seguindo pela mata virgem que preserva seu leito. Aos poucos vai ganhando forma com os afluentes que cortam os vales.

Em questão de alguns quilômetros ele já se torna volumoso e, a sua força, foi de grande valia para o desenvolvimento de Santa Maria do Herval: os colonos usaram-no para a construção de diversos moinhos à margem, utilizando-o para girar as rodas d’águas e outras máquinas fundamentais para as famílias que produziam milho, arroz, feijão, centeio e por aí vai.

O Cadeia segue, passando pela Vila Kunst, bairro Amizade e Centro, gerando desenvolvimento ao seu redor. Os moinhos também foram construídos nos seus afluentes, além de outro rio: o Tapera. Alguns dos mais conhecidos eram: Michaelsen, Olívio Molling, João Blume, Eugênio Brusius, Walter Dapper, o moinho Prass, a serraria Ebling, o moinho Kunst, o moinho de Guilherme Dalri na Linha Marcondes (rio Tapera), moinho Vier do Centro.

As cargas de grãos eram levadas nos lombos dos burros até os moinhos, que percorriam muitos quilômetros pelas picadas até chegar ao seu destino; as estradas eram feitas para mal e mal passar uma carroça. Ao redor de alguns moinhos se construíam também armazéns, os “picadores” que eram antigos açougues e até mesmos as bodegas; eram verdadeiros centros comerciais, onde todos se encontravam.

De geração em geração

Normélio trabalhou durante anos no moinho da família, principalmente fazendo farinha e descascando arroz (FOTO: Cleiton Zimer)

 

Normélio Dapper ajudou, durante muitos anos, no moinho do seu pai Walter Dapper. Lembra que naquela época os moradores vinham de diversas localidades para fazer farinha, descascar arroz. Sua mãe trabalhava na farinha e, o pai, no arroz. “Os dias para descascar arroz eram nas manhãs de quarta-feira e nos sábados”, disse.

Se, nesses dias, alguém trazia milho, poderia trocar caso tivesse farinha pronta. Caso não, teria de voltar outro dia. “Demorava de duas a três horas para moer meio saco de milho”.

Normélio disse que o moinho funcionava até meados de 1990, quando seu pai, já muito idoso, não podia mais arrumar quando algo estragava e Normélio estava na Alemanha, em intercâmbio, naquele período. A estrutura do antigo moinho permanece preservada, mas não está mais em funcionamento pois não há mais a parte da queda d’água.

Onde hoje tem os carros estacionados

naquela época tinha mulas amaradas

Lauro na antiga estrutura do moinho. Hoje ainda descasca arroz, mas com o auxílio de uma máquina elétrica. (FOTO: Cleiton Zimer)

Lauro Molling, 82 anos, conta que tinha épocas em que trabalhavam dia e noite no moinho. A demanda era alta. Alguns tinham que dormir ao lado dele, em uma cama ajeitada. Quando o material dentro do funil acabava, o que acontecia cerca de duas vezes por noite, tinha que ter alguém lá para repor os grãos para continuarem a ser triturados pelas mós (pedras redondas). Lauro lembra que, quando algo estragava, eles mesmos concertavam.

As pessoas vinham de diversas localidades do entorno para trazer grãos. Tinham um dia definido em que descascavam somente arroz. Era sempre em quintas-feiras. Começavam de manhã cedo até de noite. Tinha serviço o dia inteiro.

Lauro recorda que, da mesma forma como hoje tem os carros estacionados ao redor, naquela época estava tudo cheio de mulas amaradas. “Em vários lugares instalamos algumas troncos, onde as pessoas prendiam os animais quando vinham para o moinho”. Na propriedade também tinha um armazém e um “picador”, no qual vendiam carne.

Moinho de Olívio Molling, o primeiro no curso do Rio Cadeia, em Padre Eterno Baixo (Acervo Museu Professor Laurindo Vier)

Quando ainda eram crianças, o pai de Lauro, seu Olívio, também fazia a farinha branca, o “Weis Meil”. Depois pararam. “O principal que fazíamos era farinha de milho e descascar o arroz”. Os agricultores colhiam e sempre traziam meio saco, com cerca de 25 a 30 quilos. Mais tarde eles voltavam e pegavam a farinha, o que era mais demorado, geralmente de um dia para o outro. Descascar o arroz era um processo mais rápido.

Também, por cerca de 10 anos, faziam erva de chimarrão. Os moradores plantavam a árvore, colhiam e iam até o moinho Molling com a carroça cheia para fabricar a erva. “Muitas vezes não tinha mais lugar no moinho, de tantos sacos parados”, recorda.

Lauro ainda descasca arroz. Mas são só dois/três clientes. Ele ainda encontra, às vezes, cadernos de anotações do passado onde consta quem vinha no moinho e eram dezenas de moradores que utilizam o serviço, hoje, substituído pela tecnologia e consequente migração das famílias da roça para as indústrias.

A roda d’água não existe mais. Mas o restante da estrutura ainda está preservada (FOTO: Cleiton Zimer)

Varejo de carroça até Gramado e Canela

Lauro lembra que quando ainda eram crianças, seu pai Olívio tinha uma carroça que era puxada por quatro mulas. Com ela, há cada duas semanas iam para Gramado e Canela fazer varejo.“Saíamos de manhã cedo daqui, em cima da coroça, com 15 sacos de arroz descascado e farinha de milho; só voltávamos na noite seguinte, ficando dois dias na rua”.

A caroça era aberta, não tinha cobertura. Saíam de manhã e de noite estavam em Canela, no Centro, onde pernoitavam. Soltavam as mulas em um potreiro e guardavam a carroça. No dia seguinte continuavam fazendo o varejo de casa em casa. Alguns clientes compravam até duas sacas de produtos, pois as famílias eram grandes. “O arroz era muito mais saboroso do que o de hoje”, lembra Lauro.

Moinho que existia às margens do Cadeia, na Vila Kunst, construído por Peter Klaus que, mais tarde, vendeu aos irmãos Arthur e Aloysio Kunst (Livro no coração verde da mata virgem Thee Walt)

Moinho Vier, que ficava em um dos afluentes do Rio Cadeia, no Centro (onde ficava o antigo prédio da Sicredi) (Acervo Museu Professor Laurindo Vier)

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